TRABALHOS ENVOLVENDO ALTA TENSÃO
Considerações sobre o Item 10.7 da NR-10

Uma vez concluído o texto final, o qual contou com a colaboração de vários profissionais, a Norma Regulamentadora nº 10 foi discutida e aprovada por um grupo técnico tripartite do Ministério do Trabalho e Emprego. O item 10.7 foi o único da norma que não teve consenso dessa comissão tripartite.

Os trabalhadores que executam serviços em instalações elétricas energizadas em alta tensão, e que exercem suas atividades dentro dos limites estabelecidos como zonas controladas e de risco devem atender ao disposto no item 10.8 da NR-10, que trata dos conceitos de habilitação, qualificação, capacitação e autorização. De acordo com o anexo 2 da NR-10, os conceitos de zonas controlada e de risco são estabelecidos pelos seguintes critérios:

Onde:

PE - fio condutor
ZR - zona de risco
ZC - zona controlada
ZL - zona livre

Rr - raio de delimitação da zona de risco*
Rc - raio de delimitação da zona controlada (que inclui a zona de risco)**

* O legislador aparentemente cometeu um equívoco aqui ao dizer "raio de delimitação entre a zona de risco e controlada em metros". Visto que o desenho com as delimitações circulares torna claro que o Rr é o raio da zona de risco, a descrição deveria ter sido: "raio de delimitação da zona de risco em metros" (que se inicia no condutor elétrico).

** O legislador aparentemente cometeu um equívoco aqui ao dizer "raio de delimitação entre a zona controlada e zona livre em metros". Visto que a zona livre abrange qualquer região fora do círculo maior, não faz sentido dizer 'raio entre zona controlada e zona livre'. A descrição deveria ter sido: "raio de delimitação da zona controlada em metros" (que inclui, obviamente, a zona de risco, conforme o desenho acima, à direita da tabela, que aparece no anexo 2 da NR-10).

De acordo com esse mesmo anexo, os limites dessas distâncias são estipulados de acordo com os níveis de tensão:

Tomando como exemplo a tensão de 13.800 volts, vemos que essa faixa de tensão está entre 10 e 15 mil volts, sendo que a distância entre o ponto elétrico e o início da zona controlada é de 38 cm. Isto significa que em algum ponto desses 38 cm o arco elétrico se forma, conforme indicam ensaios práticos com transformadores. A seguir um diagrama representativo para tensões entre 10 e 15 mil volts:

Os trabalhadores que trabalham com alta tensão (AT) devem receber treinamento de segurança, específico em segurança no Sistema Elétrico de Potência (SEP) e em suas proximidades, com currículo mínimo, carga horária e demais determinações estabelecidas pela NR-10.

"Os serviços em instalações elétricas energizadas em AT, bem como aqueles executados no Sistema Elétrico de Potência – SEP, não podem ser realizados individualmente." - Item 10.7.3.

Certamente esse foi um dos pontos mais discutidos do item 10.7, pois até então as empresas procuravam reduzir ao máximo o número de profissionais. A obrigação de sempre haver no mínimo duas pessoas executando os serviços de manutenção teria como consequencia o aumento do custo com o pessoal. Mas esse novo dispositivo prima pela segurança dos trabalhadores, e é óbvio que havendo mais de uma pessoa trabalhando no mesmo local, em caso de acidente de uma delas o socorro será prestado com muito mais rapidez.

Ressalte-se também que a norma técnica NBR 14039, que trata de manobras em subestações de alta tensão, já previa a necessidade de haver no mínimo duas pessoas durante a execução das tarefas de manutenção, não obstante o conceito de alta tensão na NBR difira do conceito da NR-10. Por esta última, alta tensão (em corrente alternada) é a partir de 1.000 volts, enquanto que esse patamar para a NBR é considerado "média tensão". Mas para efeitos da legislação trabalhista o que conta é o disposto pela NR-10.

Note também que a obrigatoriedade de haver ao menos duas pessoas no serviço não se limita apenas às instalações energizadas em AT. Se o serviço é executado no Sistema Elétrico de Potência a obrigação permanece, mesmo que a linha ou rede não estejam energizadas. Sistema Elétrico de Potência é todo conjunto de equipamentos utilizado na geração e distribuição de energia elétrica, o que inclui as linhas de transmissão e as redes de entrega das concessionárias. Essa exigência não é descabida, uma vez que há registros de acidentes em linhas de transmissão desenergizadas. Por exemplo, segundo relato de um ex-funcionário da CELTINS (concessionária de Tocatins) que trabalhava na construção de linhas, certa vez ele sofreu um descarga elétrica, felizmente não fatal. Se a linha estava em plena construção, o que explicaria essa descarga? Provavelmente, a origem deve ter sido atmosférica. Um raio que "caiu" em uma outra região. Fato perfeitamente possível, em virtude das grandes distâncias envolvidas nos cabeamentos da linha. De qualquer maneira, mesmo em linhas que já estejam em operação, essa exigência da norma se justifica, já que sempre há o risco de sinistros motivados por falha de comunicação ou operacional. Um trabalhador pode se acidentar por ter sido informado que um alimentador foi bloqueado mas que, por algum motivo, realmente não foi. Daí também a importância de se seguir rigorosamente os passos de segurança exigidos pela norma, como a constatação de ausência de tensão e o aterramento temporário.

Serviços executados em instalações elétricas acima de 1.000 volts e também naquelas que interajam com o SEP, somente podem ser feitos após a devida emissão da ordem de serviço específica, indicando data e local e assinada por superior responsável pela área. A Permissão de Trabalho (PT) é, portanto, uma exigência de segurança. Existem vários modelos de PT, sendo que geralmente ela deve conter numeração, possuir assinatura do contratante e do responsável pela execução do serviço, além de ser emitida em duas vias. Em algumas empresas também é necessário a assinatura do responsável pelo SESMT (Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho), o qual será responsável solidário pela PT, mesmo que ele não conheça a tarefa tão bem quanto o profissional responsável pela manutenção.

A norma ainda preconiza:

"Antes de iniciar trabalhos em circuitos energizados em AT, o superior imediato e a equipe, responsáveis pela execução do serviço, devem realizar uma avaliação prévia, estudar e planejar as atividades e ações a serem desenvolvidas de forma a atender os princípios técnicos básicos e as melhores técnicas de segurança em eletricidade aplicáveis ao serviço."

O instrumento utilizado para avaliação prévia poderá ser o comumente usado para análise preliminar de risco (APR). Existem vários modelos que são utilizados pelas empresas. Em geral, neles constam tabelas que indicam situações específicas que abrangem vários aspectos, a exemplo de possíveis falhas humanas e mecânicas. Os profissionais mais indicados para elaborar um documento satisfatório de APR são os próprios envolvidos com a tarefa de manutenção, ainda que o texto final seja revisado pelo técnico de segurança. Abaixo um exemplo didático, baseado num serviço feito numa subestação aérea:

Uma outra determinação importante na NR-10 é que os serviços em AT só podem ser realizados quando houver procedimentos específicos, detalhados e assinados por profissional autorizado. É certamente um desafio para as empresas padronizar dessa forma todos os serviços de manutenção. É um procedimento de excelência que, além de contribuir para a própria melhoria da qualidade dos serviços executados, contribui enormemente para a segurança de quem os executa. A seguir um exemplo didático, para exemplificar as informações que devem constar num procedimento padronizado de manutenção, depois de executadas todas as etapas de segurança normatizadas pela NR-10:

LIMPEZA, REAPERTO E REGULAGEM DE ABERTURA E FECHAMENTO
DA SECCIONADORA DA SUBESTAÇÃO DE 13.8 KV CONECTADA AO SEP

Procedimentos:

1 - Retirar a carga do disjuntor principal na subestação (disjuntor da SE).

2 - Abrir a chave de travamento manual.

3 - Retirar os fusíveis de 17,5 KV.

4 - Regular o braço de acionamento ao ponto desejado.

5 - Reapertar todas as conexões do barramento.

Pessoal Envolvido:

- Supervisor: João dos Anzóis.

- Eletricista I: José Bohome.

- Eletricista II: Fulano da Silva Jr.

Riscos da Instalação:

1 - Descarga atmosférica.

2 - Fechamento acidental de chave-faca.

3 - Perfuração por elementos cortantes.

4 - Risco de queda em altura.

Instrumentos utilizados:

1 - Alicate-amperímetro universal 1.000 V

2 - Chaves Allen 6 mm e 20 mm

EPCs utilizados:

1 - Tapete isolante 17 KV

2 - Malha de aterramento

EPIs utilizados:

1 - Luva de proteção.

2 - Capacete.

3 - Bota.

4 - Luva pigmentada.

5 - Óculos de proteção.

6 - Escada de acesso.

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"A intervenção em instalações elétricas energizadas em AT dentro dos limites estabelecidos como zona de risco, conforme Anexo II desta NR, somente pode ser realizada mediante a desativação, também conhecida como bloqueio, dos conjuntos e dispositivos de religamento automático do circuito, sistema ou equipamento." - Item 10.7.7

Dispositivos de religamento automático, conhecidos como religadores, são bastante utilizados em redes de distribuição de energia elétrica. Sua função é interromper o circuito quando ocorrer algum problema, a exemplo de descarga atmosférica ou curto-circuito em algum trecho. Mas uma característica desses religadores que pode provocar acidentes é que eles são programados para religarem algum tempo depois. A razão disso é minimizar o máximo possível a interrupção de energia elétrica provocada por acontecimentos de curta duração. Por isso é de sumária importância que esses religadores sejam bloqueados durante os serviços de manutenção, para evitar que os trabalhadores se exponham a perigos antes de saírem da zona de risco.

Os equipamentos e dispositivos desativados também devem ser sinalizados com identificação da condição de desativação, de acordo com o procedimento de trabalho exemplificado anteriormente.

"Os equipamentos, ferramentas e dispositivos isolantes ou equipados com materiais isolantes, destinados ao trabalho em alta tensão, devem ser submetidos a testes elétricos ou ensaios de laboratório periódicos, obedecendo-se as especificações do fabricante, os procedimentos da empresa e na ausência desses, anualmente." - Item 10.7.8.

Os ensaios mencionados acima geralmente são feitos por empresas certificadoras especializadas, pois são de caráter destrutivo. Por exemplo, a única maneira de avaliar se uma luva suporta uma determinada descarga elétrica proveniente de um curto-circuito é submetê-la a essas condições. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) é responsável por executar esses testes e disponibilizar uma classificação ordenada dos equipamentos testados. Cada equipamento de segurança, EPI ou EPC, deve possuir um certificado de aprovação (C.A.) Trata-se de uma numeração específica. De posse dela, basta o interessado entrar no site do MTE e constatar a que situações o equipamento foi projetado para trabalhar.

Por outro lado, existem alguns ensaios que podem ser feitos por empresas não especializadas, que apenas utilizam os equipamentos em suas tarefas de manutenção. Podem-se citar como exemplo o teste de bastões de manobra ou a verificação de ausência de furos em luvas isolantes, utilizando-se infladores de luvas.

inflador de luvas.....

Os EPIs são regulados pela Norma Regulamentadora nº 6, que especifica quais os resultados dos ensaios e testes de avaliação de conformidade para cada tipo de equipamento descrito pelas normas da ABNT. A seguir alguns exemplos, de acordo com a Portaria SIT/MTE nº 48/03 e a Portaria SIT/MTE nº 108/04, todos relacionados aos riscos com eletricidade:

Calçado de segurança: NBR 12594

Capacete de segurança: NBR 8221

Luva de segurança isolante de borracha: NBR 10622

Manga de segurança isolante de borracha: NBR 10623

Vestimenta condutiva de segurança: IEC 895

A norma IEC é uma norma internacional (do International Electrotechnical Commission), utilizada por falta de uma norma brasileira que verse a respeito. A vestimenta condutiva é aquela utilizada em trabalhos ao potencial, quando, devido aos elevados níveis de tensão e importância vital do sistema, não é possível fazer o desligamento, e os eletricistas trabalham em linhas energizadas, protegidos pela roupa condutiva.


trabalho ao potencial

Por fim, o item 10.7 finaliza com a recomendação de que todo trabalhador, ao lidar com instalações de alta tensão ou com equipamentos que interajam com o SEP, deve usar aparelhos de comunicação, para manterem contato permanente com os demais membros da equipe ou mesmo com o centro de operação durante a realização do serviço. Normalmente são utilizados radiocomunicadores, mas isso não impede que se use de maneira complementar telefones celulares, quando esse serviço está disponível.

Sobre as numerações corretas dos anexos na NR-10

Desde a primeira versão desta página eu chamei atenção para o fato de que o texto da norma continha um erro no que diz respeito às referências que fazia à numeração dos anexos. Por exemplo, eu disse a respeito da orientação sobre as zonas controladas e de risco (item 10.7.7):

“A edição da NR-10 disponível no site do Ministério do Trabalho e Emprego contém um erro nesse item. Na verdade, é o anexo II que traz a definição dos limites da zona de risco. O anexo I é o glossário de termos pertinentes à norma”.

No texto principal da norma o legislador chamava o anexo 2 de “anexo 1”, e o anexo 3 de “anexo 2”, como se houvesse apenas dois anexos ao invés de três. Ao que tudo indica, o responsável pela edição final do texto se confundiu e fez uso de dois critérios de referência mutuamente exclusivos. Não ter sido o glossário precedido do título “Anexo I” pode ter sido a causa dessa confusão.

Devido a isso, quando eu citava os trechos da norma que faziam referência aos anexos, eu já os apresentava com as numerações corretas. Mas, visto que os textos que tratam da norma não procediam assim e alguns leitores me questionaram porque as minhas numerações diferiam daquelas vistas na norma, resolvi alterar o meu texto e me referir a elas da maneira errônea costumeiramente vista.

No entanto, voltei agora a me referir às numerações dos anexos como eu fazia antes. A razão é que saiu uma Portaria do Ministério do Trabalho e Previdência Social corrigindo as referências errôneas que havia no texto da NR-10. É a Portaria n.º 509, de 29 de abril de 2016. Os itens da norma alterados por essa Portaria são os seguintes: 10.5.1 (letra “e”), 10.6.1.1, 10.6.2, 10.7.2, 10.7.7, 10.8.8.1 e 10.11.5.

Essa correção feita pela Portaria é mais estrutural do que propriamente de conteúdo. Mas há outros pontos da norma que podem ser melhorados. Conforme visto no início e em outro texto que escrevi, há determinados trechos da norma que não estão claros e têm levado a erros de interpretação da mesma. Eu já mencionei esse problema para um engenheiro que participou da comissão tripartite que elaborou a NR-10, mas, até agora, não houve nenhuma revisão que contemplasse os referidos pontos.

Esta página é parte integrante da apostila sobre NR-10 de minha autoria, utilizada nos Treinamentos de Segurança.

 

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